sábado, 25 de agosto de 2007

SALMOENGA TERRA BRAVA

Era uma vez um alentejano que gostava de dormir a sesta à sombra de um chaparro e de dizer “que tal está a moenga compadri”.
Além de dormir a sesta e de dizer « que tal está a moenga compadri » tocava trompeti na Banda de Salmoenga, pequena aldeia junto à arraia de Espanha.
Um dia veio a Banda de Tarrascaña, pueblo ali ao lado na Andaluzia, exibir-se no coreto de Salmoenga.
Os politicos europeus haviam constatado que na história Lusitanos e Espanhóis só se encontravam em guerras e guerrilhas. Havia que fomentar o intercâmbio entre as duas comunidades. Assim o exigia o espirito europeu. Uma vez por ano vinha a banda espanhola tocar a terras lusas e no ano seguinte cabia esta honra aos lusitanos.
Naquela tarde a banda espanhola afinfou muitos pasodobles e flamencos numa berraria infernal, entrecortada por milhares de olés. Os marratuanos alentejanos nunca haviam visto tal poluição sonora. Boquiabertos seguiam mudos aquele espectáculo. O alarido não foi contagioso.
Foi um alívio quando ao fim de duas horas os espanholitos abandonaram o coreto numa
algazarra infernal (todos a gritarem ao mesmo tempo) e se dirigiram para a tasca “O Porco Preto” onde tinha lugar a confratenização com a Banda de Salmoenga.
Os alentejanos que não pertenciam à Banda encaminharam-se para casa cantando baixinho « Oh oliveirinha da serra ».
Na tasca “O Porco Preto” a barulheira só foi interrompida quando chegou a comida. Primeiro houve “coentrada de orelha” seguida por “entrecosto com migas à moda de Moura”. De sobremesa serviram-se “barrigas de freira”, soberbo doce conventual. Por fim vieram bicas e bagaços e os espanholitos de barriga cheia e olhos brilhantes (devido ao vinho de Reguengos) deixaram de cantar e de gritar “olés”.
Passou-se à conversação. Ao lado do nosso alentejano trompetista estava sentado um espanhol gordo e careca. Depois de esvaziar de um trago o quarto bagaço perguntou: « y tu português, que tocas ? «
“ Trompeti” respondeu o alentejano, começando a ficar chateado com este tu cá tu lá. Em mau lusitano e com arrogância castelhana prosseguiu o andaluz: “ La semana passada touquê tan bien en la procissão de Nuestra Senhora de los Remédios que no final la Senhora se baixou del andor a chorar muy comovida com la minha música”.
O alentejano na se atrapalhou nada e falou para os seus botões da camisa: “ora estão a ver este cabrão que vem para Salmoenga encher a mula e ainda quer gozar ca genti!”.
Virou-se para o espanholito e à queima roupa contestou: “Faz dois dias que toquei tão bem na procissão de Nosso Senhor dos Passos que no final o Senhor desceu da cruz e agarrando-se a mim disse: “Oh! g’anda Manel que ainda tocaste mil vezes melhor que o cabrão do espanhol que há uma semana fez a minha mãezinha chorar tanto”.

Olari, Olará

Um miúdo da Mouraria descia a rua das Pretas.
Olari, olará!
Atrás, todo convencido, troteava um cão de Chelas.
Olari, olará!
Seguindo o cão gingava um gato preto do Bairo Alto, amigo do puto da Mouraria.
Olari, olará!
Atrás do gato deslizava um rato de Alfama, amigo do cão de Chelas
Olari, olará!
A certa altura o gato voltou-se e papou o rato.
Olari, olará!
O cão furibundo mordeu ferozmente o gato.
Olari, olará!
O puto chateou-se e deu um pontapé no cão.
Olari, olará!
A Dona Engrácia à janela, amiga dos cães, despejou o penico sobre o puto.
Olari, olará!

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

UM DIA NO CAMPO

As searas ondulantes até onde a vista encharga. Até às terras onde vive o castelhano. No céu azul ferrenho, o sol a pino abrasa a terra dura. Chaparros altivos e solitários. Moças brejeiras algarviam alto. Moços cobiçosos cantam "Oh! oliveirinha da serra..." Porcos pretos deliciam-se com a bolota. Uma minhoca fura a terra à procura de humidade. Na sua toca um mocho espera ansioso pela noite. Está com fome. Lá alto o milhafre pensa que os ratos já não sabem como dantes. Vacas pastam, um boi urina. Um raposo com alíngua de fora esfalfa-se à procura de coelhos. Ovelhas salpicam de branco a terra encarnada. O pastor ronca à sombra de uma azinheira.
De repente uma vespa pica o boi. O boi desalmado de dor, numa correria, atropela várias ovelhas. O rebanho desata a balir "mé! mé" fugindo em todas as direcções. O pastor acorda a gritar com raiva: "assassino! assassino!". O boi deita a azinheira abaixo. O pastor leva com ela nos cornos. As raparigas aos gritinhos tentam trepar para um sobreiro. Os rapazes aproveitam-se, agarram-nas pela cintura, para ajudar. Um ou outro estalo faz-se ouvir. Por fim os galhos do velho sobreiro vergam-se sob o peso de tanto fruto proibido.
As vacas em pânico com tanta desordem seguem o boi, levantando uma nuvem de pó e fazendo tremer a terra. A minhoca encolhe-se toda com medo do abalo sismico. Os recos a grunhir de pavor, parecem setas, uns para norte outros para sul. O milhafre grasna lá de cima "já me estragaram a caça"! O raposo entra em stress, louco a galopar em zigue-zague. O mocho arrelia-se de novo, agora porque nã consegue adormecer.
Por fim o boi atira-se para dentro de um barreiro. A vespa morre afogada. As rãs coaxam: "Um sapo gigante! salve-se quem puder, dá cabo de nós".
C'etait un jour en campagne, vivido e narrado por Belarmino Pimbas.

sábado, 18 de agosto de 2007

HISTÓRIA DO SETE

O dia estava quente e húmido. O sol picava como milhares de alfinetes. Moisés suava por todos os poros e após tantos dias de caminhada pelo deserto já tresandava a cebo. Cheirava a puma. Sentado no alto do monte Sinai praguejava contra a ideia de se ter metido à pata à procura da terra prometida. No Egipto pelo menos vivia num oásis com sombra, àgua e outras coisas boas.
Olhou furibundo para o povo espalhado pela encosta. Viu que o povo farto da caminhada se marimbava cada vez mais para a terra prometida, para o leite e mel que aí os esperava. Em vez de repousarem da última caminhada entregava-se a uma total rebaldaria.
Moisés pensou para com os seus botões: “isto já assume propoções Sodomianas e Gomorrianas. E eu com todo o trabalho a conduzir esta horda de selvagens. Tenho de pôr um ponto final nesta rebaldaria. A ralé está-se marimbando na liberdade! Comer, beber e fornicar é o que eles querem! Tenho de lhes impor um código penal para que haja ordem”.
Como no monte Sinai havia muita pedra lousa, escolheu uma em forma de tábua e com um seixo afiado começou a escrever tudo o que lhe vinha à cabeça. Assim nasceu o primeiro código penal depois do de Hamurábi. Releu o que havia escrito e gostou muito. Ergueu o seu imposante corpo e com voz de trovão gritou para as massas desvairadas:
“Meu bom povo! Ouvi a minha voz que é a voz que vem do além, é a voz da verdade e do poder intergalaxial! Escutai as dez leis universais que vos vou impôr para consumo diário. Quem transgredir será apedrejado, espancado, enforcado, crucificado conforme a lei que transgrida. Calai a boca e escutai”.O povo de boca aberta foi ouvindo estupefacto o enunciar das dez leis, mais conhecidas pelos dez mandamentos. Quando chegou à sétima lei houve o tal problema que está na origem do 7 se escrever com um risco a meio da perna alta.
Moisés, os olhos a flamejar, gritou com voz poderosa:
-“Sétima lei: Não desejarás a mulher do próximo”!
Breve silêncio. Então a multidão ululante gritou furiosa aos quatro ventos:
-“Risca o sete, risca o sete”!
E Moisés com medo de uma rebelião riscou o sete. Foi um dos primeiros compromissos políticos: Moisés manteve a sua lei e o povo ficou com a liberdade de não a cumprir: livre interpretação da sétima lei com base no risco do sete.
Por isso é que ainda hoje se escreve o sete com o risco a meio da sua perna alta.