quarta-feira, 22 de agosto de 2007

UM DIA NO CAMPO

As searas ondulantes até onde a vista encharga. Até às terras onde vive o castelhano. No céu azul ferrenho, o sol a pino abrasa a terra dura. Chaparros altivos e solitários. Moças brejeiras algarviam alto. Moços cobiçosos cantam "Oh! oliveirinha da serra..." Porcos pretos deliciam-se com a bolota. Uma minhoca fura a terra à procura de humidade. Na sua toca um mocho espera ansioso pela noite. Está com fome. Lá alto o milhafre pensa que os ratos já não sabem como dantes. Vacas pastam, um boi urina. Um raposo com alíngua de fora esfalfa-se à procura de coelhos. Ovelhas salpicam de branco a terra encarnada. O pastor ronca à sombra de uma azinheira.
De repente uma vespa pica o boi. O boi desalmado de dor, numa correria, atropela várias ovelhas. O rebanho desata a balir "mé! mé" fugindo em todas as direcções. O pastor acorda a gritar com raiva: "assassino! assassino!". O boi deita a azinheira abaixo. O pastor leva com ela nos cornos. As raparigas aos gritinhos tentam trepar para um sobreiro. Os rapazes aproveitam-se, agarram-nas pela cintura, para ajudar. Um ou outro estalo faz-se ouvir. Por fim os galhos do velho sobreiro vergam-se sob o peso de tanto fruto proibido.
As vacas em pânico com tanta desordem seguem o boi, levantando uma nuvem de pó e fazendo tremer a terra. A minhoca encolhe-se toda com medo do abalo sismico. Os recos a grunhir de pavor, parecem setas, uns para norte outros para sul. O milhafre grasna lá de cima "já me estragaram a caça"! O raposo entra em stress, louco a galopar em zigue-zague. O mocho arrelia-se de novo, agora porque nã consegue adormecer.
Por fim o boi atira-se para dentro de um barreiro. A vespa morre afogada. As rãs coaxam: "Um sapo gigante! salve-se quem puder, dá cabo de nós".
C'etait un jour en campagne, vivido e narrado por Belarmino Pimbas.

1 comentário:

Luis Arinto disse...

Bom, este texto já tem aquela pimenta literária e poética que designa os contadores de histórias.
A vida de facto é isto, mas não se vê, ou não se quer ver (só alguns a vêm), contudo lembro o estimado autor que é esta vida aqui designada como 'confusão' e 'tragédia' que dá o equilibrio biológico e faz-nos sentir vivos (em vez de ver televisão).
Um abraço ...